Fim de tarde. O alambrado separa a rua do imenso conjunto de prédios que formam o conglomerado do sensacionalista Jornal do Dia. Converso com alguém que, do lado de fora, parece ver algo se aproximando. Os olhos dele se alargam, e o sujeito se afasta, a princípio lentamente, para em seguida começar a correr. Quando olho na mesma direção que ele, um animal, que meus olhos não conseguem definir muito bem o que é, vem na minha direção. Parece um lagarto do tamanho de um ônibus, apoiado por...
Três livros me aguardam sobre a mesa. Se fosse um só, eu poderia escrever: The book is on the table. Mas três livros ficam estranhos: the books are... Melhor deixar Books on the table. Estou em aquecimento. Estralo os dedos. Esfrego as mãos como se passasse um creme imaginário do qual prescindem, porque não estão ásperas como as do pai, que prefere a enxada à folha em branco, deixando a caneta sobre a mesa. The pen is on the table. E cá estamos nós todos, ou seja, eu e você. Tudo bem por aí?
Na minha infância querida, olhava para uma folha de grama, uma pedrinha qualquer, alguma coisa que irradiasse um pouco mais de vida e que chamasse minha atenção numa linguagem inconsciente, silenciosa, inóspita e, então, me suspendia com aquilo. Ao olhar para essas pequenas manifestações da natureza, sentia-me privilegiado, imaginando que seria talvez a única pessoa no mundo a notar essa pedrinha perdida bem diante de mim, sem ninguém mais no mundo a notar a presença dela. Só eu. E você, onde...
Eu nunca tive talento para tocar guitarra. Durante toda minha adolescência, eu bem que quis ser um grande guitarrista e tal, mas descobri que não levava jeito praquilo. Acho que é por isso que meu violão hoje vive com uma eterna camada de poeira sobre si; que dó. Embora não me faça falta, nem por isso ele fica jogado num canto qualquer do quarto, a contemplar uma réstia de sol que lá continua a brilhar. Ele simplesmente fica ali, ao lado da cama, de boca aberta, esperando de mim uma dedicação...
Ela gostava de vestidos escuros que deixavam seu corpo sem silhueta alguma. Quando houve o suicídio, Doracina não tinha nem 15 anos. Eu tinha a mesma idade e fiquei arrasado. Estava quase morta quando seus pais a encontraram na cama, respirando sofregamente e com os olhos a girar nas órbitas, como possessão demoníaca. Havia tomado uma bebida viscosa que encontrara embaixo da pia. A soda cáustica teve efeito destruidor em seu organismo. Foi uma morte lenta e horrível, que a fez botar as tripas...