Na literatura brasileira contemporânea, o romance policial é quase uma impossibilidade. Seja qual for o gênero, cerebral ou o romance noir, a realidade é tão pesada que seus heróis não sobreviveriam à trama de corrupção e malícia que permeiam todos os setores da sociedade. Um dos preceitos para se escrever literatura policial, constante nos escritos de Todorov sobre o gênero, é que o investigador não deve ser o autor do crime. Tratando-se da nossa realidade, o investigador do romance noir...
Apesar de muitas teorias, os protestos de junho de 2013 continuam inexplicáveis. Decifrá-los seria o desejo de muitos historiadores, antropólogos e outros analistas. A ficção pode mergulhar no período, pode passear pelos fatos, pelas supostas causas do movimento, sem compromisso e sem o dever de apresentar resposta. Muitos eventos, hoje considerados históricos, tiveram o mesmo percurso. O maio de 1968, na França, começou como um protesto estudantil que, pouco a pouco, foi conquistando outras...
Quincas Borba é um romance estranho. A começar pelo título: que história é essa de Joaquim Borba dos Santos, Quincas 1, bater as botas logo ao início da trama e, de repente, um enfermeiro, Rubião, ex-professor e néscio, subir ao palco, as-sumindo o protagonismo, amparado por Sofia e seu LEGO, o Palha, oportunista até o roer dos ossos? Ou seria o cão, Quincas 2, o verdadeiro merecedor da homenagem de Joaquim Maria Machado de Assis, o Mestre dos Magos do Cosm
Não é uma peleja que se compare à construção do convento de Mafra, mas o leitor sofre e sua para chegar ao fim das 347 páginas de Memorial do convento, um dos primeiros romances de José Saramago e dos mais recentes clássicos perenes da literatura portuguesa. Em certa altura da narrativa, a velocidade de leitura torna-se tão lenta quanto os carros de boi que levam uma pedra de mármore ao convento ― pedra tão colossal como o romance em si ― em si bemol ― porque Saramago era um fantasista ― um...
Manuel Antônio de Almeida escreveu um único romance em seus curtos 30 anos de vida, e Memórias de um sargento de milícias é um livro ímpar do romantismo brasileiro: é tão diferente dos outros romances do período que poderia ser aquela solitária estrela que, na bandeira nacional, fica isolada de todas as outras. Enquanto no país sopravam os ventos ultrarromânticos, o livro, escrito por “um brasileiro” no formato dinâmico do folhetim, não recebeu do público o reconhecimento esperado, e imagino...
Na história da literatura são muitos os exemplos de que, aos verdadeiros poetas, não é possível a pátria. Todos eles vivem ou viveram num constante exílio. Daí a peregrinação de Camões, o pluralismo poético de Fernando Pessoa e o gauche drummondiano. Gonçalves Dias, ao elaborar sua famosa Canção do exílio, também não era estranho a exílios vividos fora e dentro de sua própria terra, sempre estrangeira quando se referia a sonhos, a angústias e a sentimentos à flor da pele. Apesar das palmeiras e
Se você é daqueles que julgam os livros pela capa, provavelmente, não leu Alta fidelidade, premiado romance dos anos 1990 de Nick Hornby. O problema da edição que tenho aqui é que ela traz a silhueta estilizada de dois CDs, além do título e do nome do autor, claro. Certo, mas e daí? Daí que quem lê o romance, cujo protagonista tem uma loja de discos de vinil, não vai encontrar CDs lá, mas discos, discos e mais discos. Então, por que os dois Compact Discs? Aquele era um momento de transição na...
Terminei de ler Sagarana faz dois anos. Foram semanas dedicadas às novelas - e, não, em sua maioria, contos, como lembra Paulo Rónai; também não foi - cada uma - nenhum bicho de sete cabeças. Nada disso. Pelo contrário; no meu caso, a cada semana, meus alunos leram uma estória (vai) de Sagarana e, para discuti-las com eles, fui lendo também, e, então, a peleja chegou ao fim. Peleja no bom sentido, porque Sagarana é um livro fantástico - e o sobrenatural também faz parte da obra; no caso, o...
Fazer resenha de livro de poesia é uma tarefa difícil, sobretudo num momento em que há um grande número de poetas, e seus livros são de pouca circulação. As tiragens, sempre pequenas, muitas vezes se esgotam no dia do lançamento, entre parentes e amigos. Analisar poesia significa comparar o autor a outros poetas de sua época, compará-lo à tradição da poesia em determinada cultura, dialogar com obras da mesma estirpe etc. Enquanto existia a tradição clássica era fácil falar desta arte...
Muitos leitores preferem Angústia a qualquer outro livro de Graciliano Ramos. Não é meu caso. Ainda. Mas até agora Vidas secas é pra mim aquele monolito de 2001: uma odisseia no espaço. Por quê? Se o MacGyver, com um arame, dava vida a um carro, Graciliano, com meia dúzia de personagens, cria um monumento. Mas Angústia, diante do que exige do leitor, pode realmente tornar-se o Graciliano preferido justamente por sua escrita minuciosa e circular. Como em Vidas secas. É uma escolha que, após o...
Confesso que, ao começar a ler Dora sem véu, achei que o tema do livro poderia já estar esgotado, porque se trata de um romance de características regionalistas, já escrito e discutido por autores que hoje são clássicos da literatura, como o Graciliano Ramos de Vidas Secas e São Bernardo, apenas para citar um deles. A literatura brasileira, na primeira metade do século XX, já teria dado conta suficiente deste tipo de discussão. Seria difícil a autores de um período pós-utópico trazer à tona o...
Quando lemos um jornal, é raro refletirmos sobre a relação de forças que tal tipo de publicação exerce sobre seus leitores, enfim, mesmo sobre toda a sociedade. Um órgão da grande imprensa, seja ela de que tipo for ou qualquer posição que assuma, jamais abandona a pretensão de, através da organização da linguagem, também organizar a linguagem social, de modo que as relações de poder não sejam abaladas. Pelo menos é o que observamos ao analisar a imprensa brasileira, majoritariamente engajada...
“É bom falar, é bom conversar com um amigo, a quem se abre o coração”, diz Sem Medo a Teoria. São dois guerrilheiros, comandante e comandado, conversando no interior da floresta tropical que é Mayombe, que é Angola. “Guardar para si não dá, só quando se é escritor. Aí um tipo põe tudo num papel, na boca dos outros. Mas quando se é escritor é preciso desabafar, falando”. Este é Sem Medo. Qualquer semelhança com o orixá Ogun, o “prometeu africano”, não será mera coincidência. Personagem...
Num momento tenso para a intelectualidade, em que as novas tecnologias servem mais como estratégias de marketing do que como um meio de transmissão de conhecimento, obras que vêm a público para discutir a relação entre tecnologia e humanismo sempre são benvindas. Estaria o livro impresso com os seus dias contados? O livro digital seria meio seguro de armazenamento do conhecimento? A informação fragmentada, como aparece nas redes sociais, é positiva ou estaria contribuindo para a idiotização...
Dois, de Oscar Nakasato, é um romance de filiação machadiana. Não apenas pelos capítulos muitas vezes curtos. Mas pelo dualismo estabelecido a partir de uma narrativa que procura enfocar a vida de dois irmãos, em tudo muito diferentes um do outro. Outro autor, também possível ponto de partida para este romance, é Milton Hatoum, de quem há mesmo uma das epígrafes: “Cedo ou tarde, o tempo e o acaso acabam por alcançar a todos.” Machado de Assis nos legou Esaú e Jacó, livro que retrata a vida e...
‘Stamos em pleno mar, ali, na página 12 de "A verdadeira história do século 20", de Claudio Willer, quando uma das imagens mais inusitadas pula no colo dos leitores: “fragmentos celestes\ suspensos a uma nuvem\ podemos observar o lento giro dos portões do mar\ e sentir que a vida toda se condensa em um momento.” Na poesia, você sabe, os maremotos começam assim. Esses portões em hélice são o coração do poema – um coração capaz de unir o pulsar e o mar a fim de fazer respirar as palavras do...
A literatura policial sempre foi um gênero instigante, capaz de atrair os mais diversos tipos de leitores. Mas, durante muito tempo, o gênero permaneceu marginal no Brasil. Para isso existem várias hipóteses. A principal delas, que provoca sua pouca aceitação no meio universitário, é que o gênero segue sempre uma fórmula prescrita, permitindo a seus autores produzir grande número de histórias. Portanto, aqui, faltaria originalidade. Outra hipótese, sobretudo tratando-se do nosso país, seria a...
Amortalha, de Matheus Arcaro, é um livro com vinte e um contos. Na mesma trilha de seu romance, O lado imóvel do tempo, o autor usa como material de criação literária a temática da morte e das perdas, ou ainda a perspectiva de que sempre há algo que nos falta. No embate vida / morte; amor / ausência, as narrativas constroem-se e entrelaçam-se, como se apreciássemos uma longa exposição em que quadros e mais quadros não completassem o sentido de nossa existência, mas que mostrassem o seu sem...
Comum, em minha infância, apelidarmos as crianças que usavam óculos - nossos amigos de sala de aula, das brincadeiras em final de tarde na nossa rua - de Cego Aderaldo. Os nerds de hoje, por conta dos óculos, são os Cegos Aderaldo de minha infância. Temo o apelido se extinguir, nos novos tempos de nerds e de grande crescimento tecnológico. Este livro é pela manutenção do apelido de Cego Aderaldo. Cada vez que chamarmos alguém de Cego Aderaldo estaremos, mesmo inconsciente, evocando a figura...
"Céu Subterrâneo", de Paulo Rosenbaum, é um romance ambientado durante a maior parte da narrativa em Israel. O narrador, Adam Mondale, no início do primeiro capítulo, é surpreendido pela chegada inesperada de uma dupla de policiais ao apartamento onde está hospedado, em Jerusalém. Um deles entrega-lhe um papel e diz: “Precisamos de seu passaporte, aí explica que ele será retido temporariamente.” Neste momento ainda nada sabemos sobre Mondale, nem mesmo o que este psicólogo brasileiro faz em...
É um autor em ebulição. Quem leu Uma aventura perigosa (Buriti, 2015), agora, tem a oportunidade de ler O pacto (Clube de autores, 2017) e, nessa toada, irá perceber o salto que George dos Santos Pacheco deu em sua empreitada infatigável pelo terreno da ficção, no caso, do romance, forma literária em que a imaginação de um escritor é colocada à prova, e, nesse desafio, o autor levou a melhor. Se no romance anterior a estrutura simples não comprometia a narrativa, e mesmo ali a imaginação...
Que você é esse? ― de Antonio Risério, é um romance composto de duas partes, com capítulos alternados entre si, cada um correspondendo a uma dessas mesmas partes. A primeira narrativa, “O solar do sertão” apresenta um Brasil recém-descoberto e é uma espécie de mergulho nas origens e na formação do país, regredindo a nossos antepassados africanos, alguns deles ainda habitando seus países de origem. A princípio, tudo leva a crer que se trata de narrativa de extração histórica, de formação...
Tentativas de capturar o ar, de Flávio Izhaki, é um romance que começa em tom de farsa. Há uma “nota do editor” informando que “o livro a seguir é incompleto”. Na verdade um pesquisador, cujo nome é Alexandre Pereira, juntava material para escrever a biografia de Antônio Rascal, maior escritor brasileiro dos últimos 30 anos, segundo o livro. Mas Pereira, o pretenso biógrafo, falece num acidente automobilístico. Mesmo assim, o editor decide publicar o material. Completando a nota, há...
Inspirado nos 25 anos de lançamento do álbum Nevermind, do Nirvana, o livro Cobain traz, como revela o subtítulo, "25 contos inspirados em 25 anos do álbum Nevermind + bonus tracks". Organizado por Sérgio Tavares, vem a público em E-book, fazendo homenagem à famosa banda cujo líder, Kurt Kobain, acabou por se tornar uma lenda no mundo do rock. Cada conto é antecedido do título de uma letra do grupo, servindo de motivo ou inspiração para a narrativa a seguir. Não sou especialista em música...
O romance, de modo geral, tem como missão explicar o mundo. Não se quer dizer com isso que deva abandonar o universo artístico de onde surgiu e ao qual pertence: a literatura. Quanto mais esclarecer o leitor, tanto melhor. O ser humano é um ser que vive de narrativas. Cada vida é uma história, e há histórias que são arquetípicas, explicam a gênese do mundo. No caso presente, temos um romance que muito contribui para desfazer a ingenuidade daqueles que acreditam que política um dia combinou...
Há muitas questões que circulam no gênero graphic novel, ou romance gráfico. Uma delas toca na definição clássica de romance, gênero cuja forma abre margem a outros gêneros e a outras formas dentro do seu discurso, significando-se e ressignificando a matéria que representa, como um catalisador de substâncias do mundo. Em tempos em que a imagem impera como ferramenta de comunicação e expressão, o romance gráfico encontra lugar certo. Art Spiegelman, Alan Moore, Neil Gaiman, os irmãos Moon e Bá,
"O lado imóvel do tempo", de Matheus Arcaro, é um romance que se soma aos que discutem o tempo e a existência humana. Começando com uma epígrafe tirada de Platão, “O tempo é a imagem móvel da eternidade”, o autor apresenta o personagem Salvador, homem obstinado em eternizar-se mediante algum feito. Desde a antiguidade clássica, o passar do tempo já se tornava algo necessário nos debates entre os filósofos, pois a existência se desenvolve dentro dele, tornando-se pequena por maior que seja...
"Niketche", quarto romance de Paulina Chiziane, trata de um tema caro às mulheres moçambicanas, especialmente àquelas que vêm do sul do país: a poligamia. A narradora Rami, há duas décadas, é casada com Tony. Juntos, têm filhos, posses, estabilidade social. Mas ela descobre que o marido tem outras mulheres, e sua vida vira de pernas pro ar. Em Moçambique, como em outros países da África, a poligamia é permitida, para a tristeza de muitas mulheres que a aceitam, mesmo a contragosto. Rami...
Olhando para trás, lá se vão 24 anos. Terra sonâmbula, romance de Mia Couto, tem essa idade ― praticamente o mesmo número de anos que sinalizam o fim da guerra civil de Moçambique, em 1992. Vida difícil a dos moçambicanos. Não bastasse a independência tardia (1975), encerrando a fase de guerra anticolonial, o país entrou em outra batalha, interna, a guerra civil que, de 1976 a 1992, deixou o chão e a vida esburacados. Luta necessária, amplamente mortífera, e que assinala um período em que um...
"Restinga", de Miguel Del Castillo é um livro composto por dez contos e uma novela, dividido em quatro partes. A primeira, com três histórias; a segunda com quatro; a terceira, três. Por último, a novela “Laguna”. As histórias têm em comum o tema, que é a quebra e a perda das relações familiares. Os títulos dessas narrativas também se entrelaçam, trazendo como lastro a geografia que cada um deles comporta, como Restinga, Paranoá, Leme, Cancun, Arraial, Laguna. A exceção fica com Violeta, mas...
A sala de embarque do Santos Dumont começa a ficar repleta. É manhã de quarta-feira. G. se levanta de uma das cadeiras que ficam em frente ao café e caminha até o vidro que se alonga junto aos portões de embarque. Dali pode observar parte da baía, a saída da barra e o conjunto de morros que tem como destaque o Pão de Açúcar. Seguindo com os olhos uma linha horizontal à esquerda, ele aprecia as praias de Niterói. Seu celular, conectado a fones de ouvido, toca uma música do The Who. G nem...
Que diferença há entre mim e essa garrafa de uísque? Talvez o uísque empreste alguma cor às pessoas; uma tonalidade que escape do meio-tom-pastel. Eu, com o avesso grisalho, não sou capaz de fugir do mofo. Talvez? Porra, o uísque implode o corpo, arremessando a alma pra outro âmbito. O uísque venda os olhos da consciência e entrega o sujeito a uma sensação excitante. Como eu, Salvador dos Santos, ousaria competir com algo tão viril? Com palavras! Ah, achei que seria capaz de penetrar nas...
Acabo de descobrir que tenho uma queda inconsciente pela Divina Comédia. Primeiro, os filmes. Se7en: os sete crimes capitais, mas... quais outros mesmo? Os livros, então: algumas edições da Comédia, empoleiradas na estante, estão empoeirando com o passar do tempo. Sempre que possível, alguma nova edição, mesmo que puro acaso, vem parar aqui em casa. De presente de amigo secreto a uma edição luxuosa, com gente da Unicamp por trás da coisa toda, uma mesa de sinuca versão GG. Uma mesa de...
No breve ensaio ‘Pode-se ensinar a escrever?’ (In: Viagem à literatura norte-americana contemporânea, Ed. Nórdica, 1985), William Burroughs aconselha o escritor iniciante a estar preparado para rasgar em pedacinhos e jogar na lata de lixo (do vizinho) um texto que, dias atrás, julgava o máximo. Subjacente ao exercício da autocrítica, a orientação aponta no sentido de que é necessário produzir para descartar e, assim, selecionar. Demétrio Panarotto, natural de Chapecó (SC) e residente em...
Há aproximadamente um ano, Todo Maldito Santo Dia – livro de contos de Paulino Júnior – passou a habitar a minha estante de leituras, frequentando em geral a área dos que me estão mais próximos. Recebi-o das suas próprias mãos, na ocasião em que fomos apresentados, entre amigos. Na verdade, troquei-o por um exemplar do meu perpetuo continuum – do qual ele já fez a gentileza de enviar-me suas primeiras impressões. Lembro que iniciei a leitura por aqueles mesmos dias. Mas fui lendo aos poucos...
Ao lermos livros que abordam a vida dos militantes de organizações de esquerda, que viveram as ditaduras militares da América Latina, temos a falsa impressão de que o tempo passou e que suas histórias tornaram-se anacrônicas. No entanto, nada mais atual do que narrativas que recuperam este passado tão vilipendiado, impossível de ser destroçado por aqueles que negam a luta política e asseveram o fim das utopias. Para que exista humanidade, sempre será necessária alguma utopia. Por isso, é...
Aberrações casuais, de Daniel Lisboa, é um livro com onze contos. Todos apresentam muito vigor narrativo. O autor consegue extrair de situações aparentemente banais do dia a dia a respectiva violência de cada uma delas, mostrando neste cotidiano a predominância das aberrações. Mas não se trata apenas disso, pois suas narrativas revolvem muita pungência. A partir da leitura dos contos de Lisboa, pode-se refletir sobre o que permite a um texto ser chamado de literário. E a resposta mostra-se no...
Um dos contos deste livro nos remete ao início de A divina comédia, de Dante Alighieri. Trata-se de “As encruzilhadas do doutor Rosa”, de onde emerge um chamado ao narrador, e este chamado vem de Guimarães Rosa. Parafraseando o poeta florentino, eis as palavras do personagem: “No momento mais inesperado de minha vida, quando estava prestes a sucumbir diante de uma implacável solidão [...]”. Muito semelhante às palavras de Dante: “Nel mezzo del cammin di nostra vita / mi ritrovai per uma selva...
A literatura erótica no Brasil vem ganhando força. Há não muito tempo, quando a porta do quarto era fechada, o pudor pedia discrição e o que acontecia sobre a cama permanecia sobre a cama. Como Las Vegas. Hoje, não é mais assim e, por isso, muita gente vai ficar chocada com Uma aventura perigosa, essa segunda incursão de George dos Santos Pacheco pela narrativa mais longa, o romance. Já havia lido outros textos dele: contos e mais contos que vem publicando aqui no tertuliaonline.com.br...
É, parece que foi ontem... e foi mesmo! Mas quem se lembra das aulas de História do Ensino Médio? Poucos ou ninguém – é a “decoreba” prestando seu desserviço ao longo de gerações. Acontece que a grande vítima não é a História, que fica esquecida; essa continua aí, existindo e acontecendo. Vítimas somos nós, do nosso próprio descaso e curta memória. Lembrar o passado é compreender melhor o presente para construir um futuro decente. Mas a decoreba, nomes e datas... essa se apaga. Bem, o tempo...
Dez centímetros acima do chão é um livro constituído de quatorze contos, todos bem diversos entre si, mas a força narrativa de cada um deles e as questões que podem desencadear tornam o livro homogêneo. Apesar de vivermos um momento em que a narrativa curta tornou-se subestimada para muitos editores, o texto de Cafiero é bem sucedido em algumas inovações, sobretudo no aspecto formal. Como temática, seus enredos apresentam na maior parte a perspectiva do abismo, prestes a levar de roldão todos...
Ilusão e mentira, de Godofredo de Oliveira Neto, é um livro composto por duas novelas; a primeira, O galo Adamastor; a segunda, Val e Lalinha. Ambas, inseridas na tradição da novelística brasileira, bebem em fontes machadianas. “O galo” baseia-se em “Ideias de canário”, “Val e Lalinha” em Dom Casmurro. A estrutura também não foge ao estilo de Machado de Assis, com capítulos curtos, diálogos e muita ironia. O que Godofredo acrescenta é uma inovação do ponto de vista do narrador. A primeira...
Um leitor pode ter vários motivos para ler Paris é uma festa: uma viagem que se aproxima, para o Velho Mundo; conhecer mais de perto a Geração Perdida, descobrindo como era a relação de amizade entre alguns escritores americanos que foram morar lá, após o fim da Primeira Guerra; ou mesmo, simplesmente, passar horas agradáveis com um bom livro em mãos; enfim, quaisquer que sejam os motivos para alguém ler este romance, nenhum me parece mais apropriado do que lê-lo para se tomar notas sobre a...
O ser humano é um ser cultural. Vive sempre criando transcendências, sentidos e significados que vão além do caráter utilitário de cada objeto – os próprios objetos em si têm seu fundamento metafísico. E a literatura é a medida desse mundo da cultura, da transcendência. Mesmo que não se queira mergulhar fundo, a atividade de escrita acaba por revelar conceitos que estão muito além daquilo que pensamos quando escrevemos. Apenas por isso, já se pode perceber a necessidade da imaginação...
Faça você mesmo. Eis um dos pilares do punk, um movimento contracultural que surgiu no final dos anos setenta como uma resposta mais agressiva e questionadora aos ideais pacíficos e otimistas dos hippies. Hoje em dia, as tribos – que pareciam tão claramente definidas em um passado nem tão remoto – aparentemente fundiram-se e misturaram-se, não sendo mais tão simples classificar o estilo e a ideologia de alguém.Os princípios básicos destas tribos seguem atualíssimos e em vigor. Contudo...
Como diz o ditado: cavalo dado não se olha os dentes. Nunca fui de ler biografia de personalidades vivas, muito menos autobiografias, mas ganhei de uma amiga muito querida o livro Coração assombrado, escrito por Lisa Rogak sobre a vida do escritor Stephen King (DarkSide Books, 2013). Não posso negar, King foi um dos responsáveis por despertar a leitura em minha juventude, quando ainda em idade ginasial eu varava noites lendo histórias escabrosas sobre vampiros e lobisomens...
A literatura contemporânea segue por diversas vias. Alguns autores trazem para as letras a experiência autobiográfica, insuflando ares literários à história da própria vida; outros seguem o percurso da História, apresentando personagens ora reais ora fictícios; e há aqueles que optam pela via expressa da ficção, mostrando que não há mal algum em continuar inventando histórias. Além disso, poderiam dizer que dessas histórias possivelmente serão tiradas as teorias mais tarde estudadas pela...
A criação e a existência de universos paralelos, na literatura, é um bom caminho a ser explorado. Muitas vezes pertencente à ficção científica, este tipo de narrativa sempre despertou a atenção de muitos leitores, sobretudo entre os mais jovens. A literatura latino-americana, capitaneada por Gabriel Garcia Marques, também soube seguir de modo proveitoso este viés, criando o realismo mágico. Na contemporaneidade o escritor japonês Haruki Murakami, com seu "1Q84", movimenta a bolsa de apostas...
Sou dos que questionam a posição à sombra que o conto é levado pelas editoras de grande porte (e seus setores de markenting), e lamento certa mítica de que um escritor precisa escrever um romance para provar que “tem fôlego”. Mas também sou dos que constatam o quanto o conto segue firme, forte e invocado à revelia da política de mercado. Sobretudo porque existe um contingente de escritores que não dá a mínima diante da advertência (ou quebranto): “conto não vende”. Marcio Renato dos Santos...
"O Oceano no Fim do Caminho" (2013) é o último romance publicado por Neil Gaiman – que escreveu coisas, literalmente, fantásticas, como "Sandman"! A história começa com um narrador-personagem contando que estava passando pelas bandas onde morou quando pequeno e decidiu visitar sua antiga casa e, também, a casa de sua amiga de infância, Lettie Hempstock. O protagonista não tem nome e é idiossincrático em tudo o que faz e pensa. Apesar de ser uma história contada por ele já mais velho, ele a...
Logo no início do mais recente romance de Ronaldo Lima Lins, João, o protagonista diz: “Vou procurar o Dr. Adamastor, preciso de um checkup. Gostaria de viver mais algum tempo. Temo sofrer perturbações.” "João, o microscópio e a vida selvagem" (Editora 7 Letras, 190 páginas), portanto, inicia-se com um temor, uma preocupação: “O perigo? É o medo.” E João tentará de todos os modos superar os obstáculos que encontrará pela frente, tentará vencer seus medos. Assim como aprendeu a vencer as...
"Terra de casas vazias", de André de Leone, é um romance em sua maior parte ambientado em Brasília. Seus personagens, ao contrário do que afirma Aureliano quando garoto ao seu primo Arthur, vivem perdidos e, mesmo que se desloquem continuamente, não conseguem encontrar-se. O fato de a história se desenrolar em Brasília durante boa parte da narrativa é bastante auspicioso, porque a cidade, quase sempre renegada por intelectuais, escritores e mesmo por políticos, torna-se também uma...
Matheus Arcaro é multifacetado: trabalha com publicidade, dá aulas de filosofia, pinta, faz poemas e, agora, publicou um livro de contos. Não é pouca coisa para quem está ainda na casa dos 30. Sem contar que está sempre lendo alguma coisa, porque não dá para não ler ao menos uma linha por dia, como diz o pensamento secular. Violeta velha e outras flores não é um livro de contos em que a prosa se faz de engraçada ou de maniqueísta. Matheus Arcaro, decerto, vinha carregando esses contos há...
Difícil achar justificativa diante de algumas leituras que, vez ou outra, fazemos. Agora, estou envolvido com um romance policial que trata de um assassino que enterra as pessoas... vivas. O romance chama-se "A última vítima"; seu autor, Dan Barton. A edição é de bolso e é de 1989. A editora chamava-se Nova Cultura, que nem mais existe, imagino. Trata-se na verdade de um desses romances que eram vendidos em bancas de revistas, em papel jornal, vagabundos até não poder mais, mas que circulavam...
Se você chegasse ao topo do mundo, quanto tempo ficaria lá? Calma. Não responda ainda. Leve em consideração que, nesse dia, o dia em que quase tocou com o dedo-do-meio o teto da Terra, o tempo estava muito ruim. Eleve esse tempo abissal ao cubo. É que, justamente nesse dia, o dia em que você sentou-se sobre os ombros de um gigante, o céu ficou lá com aquele mau humor lascado e com raivoeiro: raiva do gigante e de você; sim, de você: com as sobrancelhas espremendo ventanias, raios & lagartixas...
Embora as grandes editoras não priorizem a publicação de livros de contos, nossos melhores escritores jamais menosprezaram a narrativa curta, e o mais célebre deles foi nada mais nada menos que Machado de Assis.Com vinte textos curtos e ácidos, cujo formato fica entre a crônica e o conto, Paulino Júnior nos apresenta em Todo maldito santo dia o cotidiano às avessas, isto é, o mundo de pernas para o ar. Suas histórias retratam não apenas o insólito, mas aquilo que muitas vezes nos recusamos a...
A literatura portuguesa contemporânea sempre nos brinda com boas obras, e Peregrinação de Enmanuel Jhesus (Editora Tinta da China), de Pedro Rosa Mendes, segue a mesma trilha. Trata-se de um livro que descreve todo o percurso que resultou na independência do Timor-Leste do domínio da República da Indonésia, em 1999. Mas para os amantes da literatura a vantagem é que a História é narrada em forma de ficção. Já no capítulo de abertura, Matarufa, veterano da resistência timorense, relata o dia...
"Opisanie Swiata", que em polonês quer dizer descrição do mundo, é quase um livro de viagens. Mas depois se percebe que a volta ao Brasil empreendida pelo protagonista para uma breve visita ao filho, que ele não conhecia, é quase que definitiva. Se há possibilidade de retorno à Polônia, ela é bastante remota. Começara a Segunda Guerra Mundial.O romance se inicia com uma carta de Natanael ao pai. Dentro do envelope vai também a passagem. O filho vive na Amazônia. Na carta, Natanael insiste para..
Se você é da mesma geração que a minha, dificilmente não leu "O escaravelho do diabo". O livro não foi publicado em 1981, quando eu tinha nove anos, nem mesmo em 1972, ou em 1963, como muitos sites informam; na verdade, "O escaravelho do diabo", de acordo com a editora Ática, foi publicado pela primeira vez, em folhetim, em 1955. Deu tempo de alcançar o "Escaravelho" ali por volta dos doze anos, em 1984, quando li esse e outros livros da Coleção Vagalume, como "A ilha perdida"...
"Noveleletas", de João Paulo Vereza, é um livro que segue na trilha de uma literatura brasileira original. Com cinco pequenas novelas, sendo quatro delas ambientadas longe dos grandes centros, em flerte com um regionalismo inusitado e quase atemporal, as histórias apresentam personagens telúricos e sonhadores, não deixando de lado a relação de poder entre proprietário e empregados nem a religiosidade do homem do povo. Ao mesmo tempo, os textos transitam em meio ao que se costumou chamar de...
A existência do duplo sempre foi presente em toda a história da literatura. Na poesia, por exemplo, através da tensão entre linguagem figurada e linguagem referencial; na narrativa, sobretudo, através da dialética entre autor e narrador. Tais artifícios não só expandem a possibilidade de leitura de cada texto, como também ampliam suas perspectivas de representação e de criação de realidades. Sabe-se que autor e narrador são entidades que ocupam instâncias diferentes. Portanto, ao criar...
Modesto Carone, escritor, ensaísta e tradutor de várias obras de Kafka, afirma que O processo, um dos maiores romances do século XX, é um fragmento inexato. Max Brod foi quem organizou o livro que permaneceu inacabado como estava quando Kafka lhe entregou os escritos, em 1920. Após sua morte, Brod o editou pelo que julgou coerente e publicou o romance em 1925. Muito provavelmente esta organização não é exata, pois há discrepâncias na cronologia da história. Carone cita vários exemplos para...
"Memória da Pedra", de Maurício Lyrio, é um romance que desde o início se mostra complexo. Com um narrador em terceira pessoa, a história de dois casais desenvolve-se entre idas e vindas, procurando ora apresentar o presente, ora o passado de cada um desses personagens. O foco narrativo se detém, no entanto, sobre Eduardo, o protagonista. Um fator que traz mérito à narrativa é o distanciamento temporal. Ela se dá no início dos anos 1990, momento da história do Brasil em que acontece o...
Paulo Ouricuri é um escritor – e um ser humano – multifacetado. Enquanto profissional, é um advogado bem-sucedido, formado pela UFRJ com pós-graduação em Direito da Economia e da Empresa na Fundação Getúlio Vargas, além de ser um dos fundadores do escritório Camargo, Moreira & Ouricuri Advogados, com sede no Rio de Janeiro. Enquanto indivíduo, é casado e pai de dois filhos – e ser pai é, sem nenhuma dúvida, a função que mais lhe ocupa os pensamentos e mais alegria traz ao seu coração...
“Elefantes não deveriam morrer, não é verdade? Elefantes deveriam viver para sempre.” Embora no começo do seu mais recente romance, "Hanói" (Alfaguara, 238 páginas), Adriana Lisboa use a metáfora desse grande e belo animal, ela vai tratar mesmo é de seres humanos e da precariedade de suas existências. A autora estreou na literatura no final dos anos noventa, e "Sinfonia em Branco" (2001), seu segundo livro, abriu caminho para que ela recebesse muitos elogios e alguns dos principais prêmioS...
Gatsby era ainda um adolescente quando jurou a si mesmo que teria Daisy ao seu lado um dia. A garota, com borboletas nos olhos, vem de família rica; Gatsby, sem ter onde cair morto, parte e deixa Daisy casada com o herdeiro bocó da família Buchanan. Giramundo. Quando retorna, retorna dono de uma mansão, de um carro luxuoso e de camisas importadas que vêm de negócios realizados à surdina. As garotas volitam ao redor, mas nenhuma delas interessa: depois de tanta peleja, é apenas para Daisy que...
Pouco se sabe a respeito de Homero, até mesmo a cidade onde teria nascido é palco de controvérsias. O período em que a "Ilíada" e a "Odisseia" foram escritas também é outro ponto para discussão. Alguns pesquisadores acham que os poemas são do século VIII a.C., enquanto outros apontam o século VII e até mesmo o VI. O consenso é de que esses dois poemas épicos são os fundadores da literatura ocidental, ainda mantendo intensa atualidade.A "Ilíada" descreve e narra a Guerra de Troia...
“Harry Magdoff descreveu como ‘globalização’ um sistema pelo qual uma pequena elite financeira expandiu seu poder sobre o globo, inflando os preços das mercadorias e dos serviços, redistribuindo a riqueza dos setores de menor renda (em geral no mundo não ocidental) para os de maior renda”.Essa citação aparece no posfácio da edição de 1995 de “Orientalismo – O Oriente como invenção do ocidente”, de Edward Said (1935-2003), livro que acabou tornando-se um clássico ao abordar as distorções do...
Um jovem singelo viajava, em pleno verão, de Hamburgo, sua cidade natal, a Davos-Platz, no cantão dos Grisões. Ia de visita por três semanas. Mas de Hamburgo até essas alturas a viagem é longa, demasiadamente longa, na verdade, para uma estada tão curta. É preciso atravessar diversos estados, subindo e descendo, do planalto da Alemanha meridional até a beira do lago de Constança, cujas ondas saltitantes são transpostas de navio, por sobre abismos considerados insondáveis. A partir dali...
Pareciam atletas olímpicos do salto a distância. Primeiro, veio Copérnico, com seus joelhos estralando; ele mirou o sol, colocando-o no seu devido lugar, e saltou — fria e precisamente, como só um cientista de olhar telescópico como ele poderia fazer. Da turba, apenas algumas palmas e uns gritos meio-tossidos, tímidos tapinhas nas costas pelos quais um resignado, mas feliz Copérnico agradeceu. Darwin chegou em seguida, tropeçando em sua barba de onde micos leões dourados saíam sorridentes...
Publicar resenhas sobre livros de literatura brasileira está se tornando um grande problema. É vasto o número de autores que se arriscam nessa seara, mas pouco o espaço para discutir suas obras. Uma das questões que angustiam muitos ficcionistas e poetas é a pouca divulgação dos seus trabalhos, o que faz muitos buscarem apadrinhamento no vasto aparato da cultura de massa, como nos jornais de grande circulação ou mesmo na TV. Em contrapartida ao grande número de publicações, observa-se que a...
Durante muitos anos, a literatura norte-americana carregou a pecha de literatura infanto-juvenil por causa de romances como As aventuras de Tom Sawyer, Moby Dick e até mesmo A letra escarlate. Até D. H. Lawrence caiu nessa, como ele conta em Estudos sobre a literatura clássica americana (Jorge Zahar). Nada contra a literatura infantil, mas chamar A letra escarlate de literatura infanto-juvenil é coisa de gente gira. O romance As aventuras de Tom Sawyer transita entre a literatura universal e...
Joe Hill escondeu por dez anos que era filho de Stephen King, o escritor norte-americano que revitalizou o gênero horror. Queria escrever como o pai e imaginou que somente no anonimato poderia vir a ser um grande contador de histórias. Era melhor assim. Agindo dessa maneira, ele teria tempo necessário para curvar-se sobre sua escrita, especialmente, para aprender com seus erros. Por todo esse tempo, o sobrenome cedeu lugar ao pseudônimo. “(...) tive quase dez anos para cometer meus erros e...
Ulysses, de James Joyce, traz uma passagem em que um dos personagens, lá pelo entardecer, numa conversa de bar, comenta com alguns amigos a aposta certeira de Bloom no azarão Jogafora, na Copa de Ouro, uma espécie de grande prêmio do turfe local. Eis o diálogo:– O Bloom, ele falou, o negócio do tribunal é fachada. Ele botou umas moedas no Jogafora, e foi recolher os shekels. – Aquele cafre de olho branco? O cidadão falou, que nunca apostou num cavalo só de raiva. – É pra lá que ele foi...
É o último romance de Jonathan Safran Foer, autor que há poucos anos deixou de ser uma juvenil promessa da literatura norte-americana para se tornar uma referência entre os escritores de sua geração. O leitor que já havia dado o braço a torcer, encantado ou simplesmente satisfeito com o primeiro romance, Tudo se ilumina, com Extremamente alto & incrivelmente perto (Extremely loudy & incredibly close, tradução de Daniel Galera, Rocco, 2005) encontrará motivos de sobra para, mais uma vez...
Os bastidores de um jornal e as perspectivas de sua sobrevivência num mundo de extrema competitividade, onde a internet passa a predominar cada vez de modo mais avassalador, são o tema de Os imperfeccionistas, livro de Tom Rachman. O jornal em questão é um diário internacional sediado em Roma e publicado em língua inglesa, com o objetivo de ser vendido no mundo inteiro. Qualquer semelhança com uma publicação fácil de ser encontrada nas bancas de Copacabana, Ipanema ou Leblon não é mera...
Lançado pela primeira vez em 2004 pela extinta Editora Baleia, Pornografia pessoal de um ilusionista fracassado, de Nilo Oliveira, foi relançado recentemente pela KBR Editora Digital e merece ser lido. A primeira questão que coloco é: há pornografia em Pornografia pessoal de um ilusionista fracassado? Independente da discussão que queira se estabelecer entre pornografia e erotismo, a resposta é sim. Porém, Nilo Oliveira não é um desses precipitados que, encantados com Henry Miller e Bukowski...
Nas mãos de autores que já antecipavam a modernidade, o personagem-narrador tornou-se componente eficaz, produzindo na maioria das vezes artifícios que acabaram por se tornar uma das questões fundamentais dos romances. A literatura brasileira apresenta numerosos exemplos nesse sentido, que podem ser constatados ainda no Romantismo e, mais adiante, no nosso principal clássico, Machado de Assis, sobretudo em Memórias póstumas, Dom Casmurro e Memorial de Aires. Na contemporaneidade, temos dois...
Charque, o mais recente livro de Marcelo Mirisola, não deve ser lido como uma obra autobiográfica. Talvez a gênese de toda confusão em torno do autor, no momento de cada novo lançamento seu, resida neste ponto, um princípio elementar na seara da literatura. Como o próprio escritor afirma: “eu uso a primeira pessoa, não falo na primeira pessoa”, e, logo a seguir, “no jardim de infância da literatura, a primeira lição que aprendemos é: Eu é outro”.O livro tem subtítulo: uma autobiografia, vá lá.
Em dezembro de 2007, li 102 minutos: a história inédita da luta pela vida nas torres gêmeas, livro publicado em 2005 nos EUA e no Brasil. “Obra-prima de reportagem”, segundo The New York Times, como está na capa do livro de Jim Dwyer e Kevin Flynn. É uma pesquisa de fôlego e que, a julgar pelo tamanho da empreitada, exigiu boa dose de esforço dos dois autores. O texto flui, enquanto apresenta os angustiantes minutos finais das torres gêmeas. Desde 11 de setembro de 2001, o cinema, a música...
Nunca havia lido nada de Joyce Carol Oates. É uma vergonha, eu sei, mas é preciso passar ao largo desse vexame e mencionar, com Ítalo Calvino sentado em cima de meu ombro esquerdo, e com um tapa-olho pirata, que nunca devemos nos envergonhar do que ainda não tivemos tempo de ler. É o que afirma meu papagaio pirata espiritual em "Por que ler os clássicos". Sim, sempre haverá tempo para ler o que na juventude ficou para trás. É um alento: não leu Dom Casmurro enquanto adolescia e já está com...
A cada dia, acredito que há um montão de coisas boas querendo acontecer, só esperando a oportunidade. Vejam vocês! Bastou uma aula da recém-iniciada faculdade de filosofia, a indicação de leitura feita por um professor fora de série e... pronto: já sou apaixonado por literatura e encantado por Seu rosto amanhã, do espanhol Javier Marías. A obra é dividida em três volumes, que têm subtítulos próprios: “Febre e lança”, “Dança e sonho”, “Veneno, sombra e adeus”...
O romance brasileiro mais premiado de 2008 foi O filho eterno, de Cristovão Tezza. É a história de um homem que se envergonha de ser pai de uma criança com síndrome de Down e que, por isso, peleja para superar conflito de tamanha natureza. No romance, o autor optou pela narrativa onisciente, isto é, por um narrador heterodiegético (narrador-observador) que, na terceira pessoa, conta tudo o que ocorre na vida do personagem pai. A favor de O filho eterno, essa escolha fez toda a diferença...
Flui com muita rapidez a leitura de Desonra, de J. M. Coetzee. O que faz pensar que não foi por acaso que esse escritor sul-africano ganhou o Prêmio Nobel de literatura de 2003. O romance conta a história de David Lurie, professor quinquagenário que, desafortunadamente, após se envolver com uma aluna anos-luz mais nova que ele, vê seu emprego na universidade ir para o espaço: denunciado pela garota, seu nome vai parar nas páginas dos jornais, acusado de abuso sexual. Desonra surpreende...
Quando chega o momento de ler um livro cortejado há tempos, nada mais importa: casa, comida, roupa lavada. Nada. É preciso esquecer a televisão, a vida doméstica, as horas. Da estante de livros, meu Hobbit sempre me lançava um olhar de paciência ancestral, cada vez que passava diante dele, enquanto eu também não sabia disfarçar a ansiedade sorrateira. Mirando-me, a caixa de O senhor dos anéis sempre me sorriu e, por trás do sorriso, via uma oportunidade única de aventura: uma aventura repleta...
"Deus converte, mas o Diabo seduz!... "Assim termina - com "D" maiúsculo, exclamação e reticências - um dos mais de vinte contos de Os parelelepípedos da Vila Mimosa. Outro, exatamente o conto que empresta o título à obra, preconiza, já na segunda linha: "A decadência não é uma opção voluntária, é um desencontro íntimo, profundo e nebuloso. Decair é enredar-se num casulo". Das tantas e tantas frases espetaculares lidas entre as páginas do livro, destaquei essas duas por uma só razão: é disso...
Manuel é um professor aposentado da universidade federal que, certo dia, vê entrar porta adentro um furacão chamado Izolda, Izolda Petroski. Ela não invade apenas sua casa; invade sua vida. Nas mãos, um presente para Manuel: um emaranhado de textos (poemas, cartas, projetos etc.) de um poeta rebelde chamado Trapo, que se suicidou com um tiro, no quarto de pensão onde morava. Izolda é a dona da pensão, e o que ela oferece a Manuel é a oportunidade de sua vida: pôr ordem no caos que é a obra...